Este estudo é uma tentativa de
escapar à banalização, a constipação de uma iconofagia[1] desenfreada,
através de um encontro com minúcias, de um olhar apertado que corrige a miopia,
pela metaironia[2]
duchampiana, tentar enxergar circulando no meio do furacão, apesar do vento e
da poeira, a vaca, o trator, o telhado da casa, o cachorro, o varal. Vinte e um
séculos depois de Cristo, centenas depois do homem, as imagens continuam a
alargar nossas percepções. Voltar-se para um estudo dessas imagens artísticas é
uma forma de resistir ao processo de ‘imobilidade’ e alienação provocado pelas
imagens midiáticas, e tentar atribuir às imagens consciências.
Em 2007 conheci o artista
multimídia Dellani Lima, que vinha de uma trajetória de pesquisa, produção e
agitação de realizações independentes, provocadoras e que traziam uma
experiência sintomática das formas de produção audiovisual no período –
experimentação e colaboração. Muita água já tinha passado sob a ponte
cinevideográfica. Entre meios, pensamentos, tecnologias, processos e práticas,
as mudanças ainda se manifestavam intensamente na criação e reflexão sobre as
artes da imagem e do som. A costura que aqui se desenha tem como linha o vídeo,
esse indefinido e impróprio suporte, de natureza dupla (eletrônica e digital)
que atravessou os planos, mobilizou as imagens e ruidosamente reverberou as
criações de muitos artistas desde os anos 1960. Como catalisador de
experiências múltiplas, o vídeo é polifonia e foi pensando nessa variedade de
vozes e pontos de vista que convidei os pesquisadores e artistas Marcelo
Kraiser e Eduardo de Jesus para compartilharem experiências e reflexões sobre
as configurações, a história e a prática videográfica. No texto Videogramas
– 16 notas sobre o vídeo, Kraiser apresenta instantes capturados por
armadilhas e estratégias de desarticulação do determinismo do meio (rascunhos
residuais, impurezas e vitalidades) e faz do vídeo pretexto para falar sobre
arte e vida. Em Heranças e reverberações da videoarte no audiovisual
contemporâneo Eduardo de Jesus, evoca o legado de radicalidade e
experimentação que pautou as experiências artísticas com o vídeo e o caráter
independente, inquieto e transitório que rompe com as próprias formas para se
reinventar e subverter as cooptações feitas pela comunicação de massa.
Realizar essa pesquisa foi uma maneira de
conhecer um pouco mais das várias manifestações audiovisuais: cinema, vídeo,
artes digitais... e teve como ponto de partida uma curadoria do próprio Dellani
Lima para a Mostravídeo Itaú Cultural (apresentada em novembro de 2007, em Belo
Horizonte, MG e Belém, PA), que trazia um panorama da produção mineira daquele
período e que empresta o nome a essa publicação. Apresento aqui 19 artistas e
iniciativas que transpuseram esses horizontes transversais para além das
nossas montanhas e nos colocaram em conexão com a produção artística
contemporânea mundial.
[1] Termo cunhado por Norval Baitello Júnior, que
afirma que, como uma Oroborus, devoramos e somos devorados pelas
imagens; adquirimos materialidade visual e abdicamos de densidade corpórea;
mais que corpos vivemos como imagens, em função das imagens que criamos.
[2]
Mais sobre em Marcel Duchamp, ou, O
castelo da pureza / Octavio Paz; [tradução
Sebastião Uchoa Leite]. - São Paulo: Perspectiva, 2008.